Neste domingo (24) é comemorado o Dia da Infância, mas o momento é de reflexão e de atenção redobrada às crianças. A discussão sobre a adultização infantil voltou ao centro do debate público após a viralização de um vídeo do influenciador Felca nas redes sociais, que ironiza comportamentos e práticas que antecipam vivências adultas em crianças. O tema reacendeu questionamentos sobre a exposição precoce de menores, a sexualização infantil e os impactos do uso excessivo de tecnologia na infância.
A Constituição brasileira, em seu artigo 227, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantem às crianças direitos fundamentais, como o brincar, o lazer, a educação e a proteção contra negligência e exploração. No entanto, especialistas apontam que o contexto atual coloca em risco a vivência plena da infância.
Infância encurtada
Para Audrey Taguti, diretora pedagógica do Brazilian International School (BIS), a infância é um período único, que deve ser preservado. “No desenvolvimento global do indivíduo, cada degrau é uma fase, e pular etapas faz com que a maturidade não acompanhe o que está sendo vivido”, afirma.
Segundo ela, a aceleração da sociedade contemporânea e a exposição precoce a estímulos globais têm antecipado experiências inadequadas para a idade. “Cada fase precisa ser vivida com seus próprios brinquedos, vivências e limites. Quando isso não acontece, etapas ficam inacabadas”, diz.
Essa antecipação aparece, segundo Taguti, no uso de roupas sexualizadas, na adoção de comportamentos adultos e na entrega de celulares e acesso irrestrito a redes sociais. “Cabe às famílias e escolas fortalecer o caráter das crianças com experiências culturais e pedagógicas, como o contato com o folclore e brinquedos adequados, e adotar a tecnologia de forma responsável, sempre vigiada por adultos, nunca como substituta da vivência infantil”, ressalta.
Brincar, conviver, imaginar
A infância, dizem especialistas, é marcada pela brincadeira livre, pela experimentação e pela construção de habilidades sociais e emocionais. “Conviver com crianças de faixa etária aproximada contribui para o desenvolvimento social e emocional, pois é também nesse contexto que elas aprendem a lidar com regras, resolver conflitos e desenvolver habilidades socioemocionais”, explica Renata Alonso, coordenadora pedagógica da educação infantil na Escola Bilíngue Aubrick, em São Paulo.
Ela destaca a importância do faz de conta como recurso pedagógico. “Ao simular papéis sociais, a criança ensaia situações da vida real dentro de um universo seguro, ampliando sua compreensão do mundo e de si mesma”, afirma.
Alonso alerta, contudo, para comportamentos que devem ser evitados. “O uso frequente de maquiagem, roupas que sugerem sexualização, consumo de conteúdos voltados para adultos ou a adoção de posturas que imitem sensualidade interferem no desenvolvimento e devem ser redirecionados pelos pais. Isso não significa proibir toda forma de expressão, mas estabelecer limites claros para que a criança se desenvolva de maneira saudável, respeitando seu tempo e maturidade”.
Tecnologia e redes sociais: risco à infância
Um dos principais fatores de adultização, segundo as educadoras, é o uso precoce e sem supervisão de internet, aplicativos e redes sociais. Lena Cypriano, coordenadora pedagógica do Colégio Progresso Bilíngue, de Campinas (SP), alerta que a exposição excessiva impacta diretamente a autoestima e a saúde mental.
“Além de proteger a criança contra conteúdos inapropriados e riscos como cyberbullying e assédio, é papel dos pais orientar e estabelecer regras claras sobre tempo de tela, plataformas permitidas e supervisão constante”, afirma.
Ela defende o adiamento da entrada das crianças nas redes e o estímulo a atividades presenciais. “Muito se discute a idade ideal para fornecer celulares, entre os 10 e 14 anos, e sempre com supervisão. Há países discutindo proibição total para crianças e adolescentes, com multas para pais, responsáveis e plataformas. No Brasil, a proibição de celulares nas escolas já mostra efeitos positivos, com mais concentração nas aulas”, conclui.
Para especialistas, preservar a infância significa respeitar seu tempo, proteger sua vivência e garantir que crianças tenham espaço para ser, de fato, crianças.
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