Durante cinco dias, jornalistas e estudantes de comunicação de todo o Brasil deixaram as redações e salas de aula para vivenciar um ambiente completamente diferente do habitual: o de áreas de combate e situações de emergência. Entre fumaça, tiros simulados, embarques em blindados e navios da Marinha, 60 participantes concluíram, na última sexta-feira (4), o II Curso de Cobertura Jornalística em Áreas de Combate e em Emergências (II CCJACE), realizado no Centro de Operações de Paz e Humanitárias de Caráter Naval (COpPazNav), na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro (RJ).
Representando Mato Grosso do Sul, o Total News MS participou da capacitação, ao lado de profissionais de 50 veículos de 16 estados e do Distrito Federal, além de estudantes de sete universidades. A edição deste ano teve como novidade a parceria inédita com a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro.
Mais do que teoria, o curso propôs uma imersão prática e intensa no cotidiano de conflitos. Desde patrulhas simuladas em comunidades até aulas de primeiros socorros com visibilidade zero, os participantes encararam a realidade que tantos repórteres enfrentam em zonas de guerra ou em áreas violentas do país – especialmente no Rio de Janeiro, onde o cenário urbano impõe desafios semelhantes a contextos de combate.



No primeiro dia de atividades práticas, os profissionais participaram de uma simulação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), na comunidade Tavares Bastos. Na ocasião, eles fizeram a cobertura jornalística durante o confronto entre criminosos e a polícia militar.
Segundo o capitão Luiz Felipe Alvarez, chefe da Seção de Instrução Especializada do BOPE, preparar jornalistas para esse tipo de situação é fundamental. “O jornalista muitas vezes vai estar envolvido diretamente com o conflito. Então, ele entender como se proteger, como minimizar os riscos, é sempre de máxima importância”, explicou.
Ainda neste mesmo dia, a chamada “Cidade do Fogo”, espaço do Corpo de Bombeiros do RJ, trouxe um novo nível de tensão: combate a incêndios, noções de primeiros socorros e salvamento em meio à fumaça. “São informações básicas mas vitais. O repórter precisa saber se portar para não ser mais uma vítima e nem atrapalhar as equipes de resgate”, alertou o major Diego Torres, subcomandante do Centro de Instrução Especializada de Bombeiros.
No dia seguinte, a vivência na Marinha do Brasil incluiu travessia embarcada no Navio Doca Multipropósito (NDM) “Bahia”, o segundo maior da Esquadra. Antes disso, os alunos embarcaram nos robustos Carros Lagarta Anfíbios (CLAnf). “Sujo, barulhento, molhado… balança muito mas eu gostei! Foi mais divertido do que o blindado. A água, o vento… é uma experiência bem diferente”, comentou a repórter da Folha de S.Paulo, Bruna Fantti.



Para o capitão de Mar e Guerra Sandro Laudiazer, comandante do navio, o curso oferece aos jornalistas uma visão clara da estrutura das Forças Armadas e seu potencial de atuação em território nacional e internacional. “Demonstramos quais são os desafios de operar uma embarcação dessa magnitude, seja em missões de conflito ou de apoio humanitário”.

A programação ainda contou com a presença do Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e do Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen. Ambos acompanharam demonstrações táticas e destacaram a importância da aproximação entre militares e imprensa. “Pouquíssimos brasileiros têm a chance de conhecer esse lado das Forças Armadas. Essa vivência é essencial para entender o que fazemos em prol da democracia e da paz”, disse o ministro aos participantes.

No encerramento, a palestra do jornalista Marcos Uchôa sintetizou a proposta do curso: preparar comunicadores para contextos de alto risco. Com 40 anos de experiência, cobertura de nove guerras e passagens por fóruns internacionais, Uchôa compartilhou lições sobre conflito, ética e tecnologia.
“A gente tem uma vantagem em relação a repórteres de outros países, porque a gente vem de um país que não é visto como ameaçador. Até as nossas Forças Armadas, por exemplo, já viveram desafios, já fizeram trabalhos no Haiti, no Líbano, com suas fragatas, monitorando o litoral. Em vários lugares do mundo, as Forças Armadas brasileiras são vistas como de manutenção de paz, por um trabalho que não é feito de forma ostensiva, violenta. Então, a nossa imagem é boa, o que facilita nosso trabalho”, afirmou Uchôa.
A iniciativa também despertou reflexões importantes entre os profissionais. Para Cassius Zeilmann, repórter da TV Band São Paulo, o curso gerou empatia com a rotina dos agentes de segurança. “Foi uma imersão real em uma comunidade. A gente passa a valorizar ainda mais o trabalho dos policiais e entender os limites e riscos de uma cobertura desse tipo”.
O cinegrafista Érico Carvalho, da TV Band Rio, compartilhou sua experiência no dia a dia em cobertura jornalística no Rio de Janeiro. “Já acompanhei algumas operações aqui no Rio e é adrenalina pura, tiro rolando solto e é de verdade, aqui é só uma simulação. Vou sempre equipado com colete, capacete e o fuzil, que é a minha câmera”
A necessidade de formação contínua em cenários de conflito é um alerta deixado por todos os envolvidos. Como afirmou o tenente Jeferson Cardoso, da Comunicação Social da Marinha e um dos organizadores: “O jornalista precisa estar preparado. Hoje, o mundo e o Brasil vivem realidades em que, a qualquer momento, ele pode se ver em uma situação de risco. Treinamento é proteção.”
Entre blindados, fogo e o mar, o II CCJACE reforçou que o jornalismo em tempos de crise exige mais do que vocação. Exige técnica, responsabilidade e, principalmente, preparo para contar a história sem virar parte dela.


















