Especialistas apontam que ansiedade, sensação de escassez e comparação nas redes sociais influenciam decisões rápidas e que podem levar ao arrependimento após o período de ofertas
A Black Friday, expressão importada dos Estados Unidos e popularizada no Brasil nos últimos anos, virou um dos períodos mais movimentados do comércio. Na última semana de novembro, lojas físicas e plataformas digitais disputam a atenção do consumidor com vitrines coloridas, ofertas que prometem descontos “imperdíveis” e contagem regressiva para o dia D, a última sexta-feira do mês.
A “ressaca de consumo” costuma aparecer quando o ritmo das promoções desacelera. É aquele momento em que a pessoa revisita as compras feitas no impulso, confere valores, lembra de itens que pareciam urgentes horas antes e percebe que parte deles talvez não fizesse tanta falta. Essa sensação surge porque a própria Black Friday cria um ambiente de urgência que pode impulsionar decisões rápidas, embaladas pelo volume de ofertas, contagens regressivas e a ideia de que cada clique precisa ser imediato.
Para o empreendedor e especialista em gestão estratégica João Victor Faedo, as datas promocionais deixam as pessoas mais sensíveis e propensas a elevar os gastos, principalmente quando estímulos como placas de “promoção”, descontos relâmpagos e contagem regressiva criam a impressão de oportunidade única. “Se aquilo que está sendo negociado não é um bem que irá suprir uma necessidade real, e se torna apenas um objeto de desejo ou satisfação momentânea, isso faz daquela compra, uma despesa muito cara”, afirma.
Segundo João, o principal erro ocorre quando não há planejamento. Ele destaca que compras por impulso geralmente não passam por avaliação adequada de preço, utilidade e necessidade. Muitas vezes, o interesse surge apenas por causa do apelo promocional. Para ele, o hábito de “comprar agora e pensar depois” gera um impacto financeiro imediato e cria um ciclo de pressão que se estende nos meses seguintes. “Quando se dá lugar exclusivamente às emoções, o descontrole é certo”, explica.
A psicóloga Danielly Martins explica que o comportamento de consumo está diretamente ligado às emoções. Ela afirma que vivemos em uma sociedade em que bens materiais são associados a sucesso, status e estilo de vida. Por isso, durante períodos de muitas promoções, o consumidor tende a comprar não apenas o produto, mas aquilo que ele simboliza. “ A Black Friday pode se tornar uma oportunidade de adquirir não o produto em si, mas o que ele representa e o que me torna”, argumenta.
Segundo ela, estímulos como “estoque limitado”, “últimas unidades” e cronômetros de desconto ativam mecanismos de urgência que abafam a razão. Danielly diz que a sensação de “oportunidade imperdível” desperta impulsos e leva o consumidor a agir rapidamente para evitar perder a oferta. Em muitos casos, a compra se torna uma forma de aliviar ansiedade, estresse ou outro desconforto emocional. “Quando não conseguimos regular nossas emoções somos facilmente capturados por esta sensação de escassez fabricada”, alerta a psicóloga.
Danielly explica que o arrependimento surge quando a intensidade emocional diminui e a pessoa consegue refletir com mais clareza sobre a decisão tomada. Nesse momento, ela percebe que a compra não atendia a uma necessidade real, mas apenas a um impulso criado para aliviar um desconforto imediato. Muitas vezes, a ansiedade vem antes da compra, funcionando como gatilho para buscar esse alívio temporário.
Segundo Danielly, “o ato de comprar proporciona um alívio momentâneo ou sensação de euforia, funcionando como uma forma de regulação emocional. No entanto, sentimentos negativos como culpa, arrependimento e ansiedade frequentemente retornam ou aumentam após a compra, perpetuando um ciclo emocional prejudicial”. Ao retomar o equilíbrio emocional e avaliar sua rotina de forma mais racional, a pessoa entende que o produto não resolvia um problema concreto, apenas ampliava um estado de urgência passageira. Esse ciclo é comum e só se torna preocupante quando passa a se repetir com frequência.
As redes sociais também atuam como um reforço constante desse comportamento. Segundo Danielly, a lógica da comparação começa de forma sutil: ao acompanhar o que outras pessoas mostram sobre suas rotinas, o que consomem, onde estão, como trabalham, o usuário passa a interpretar esses recortes como um retrato completo da vida alheia. Assim, pequenos fragmentos ganham proporções exageradas. Um exemplo comum é quando alguém posta que toma determinado chá pela manhã, se sente motivado para treinar e, depois, mostra o quanto foi produtivo ao longo do dia. Ao ver isso, o consumidor tende a concluir que aquele único hábito é o responsável por toda a disciplina e produtividade daquela pessoa.
Esse processo transforma detalhes isolados em “soluções rápidas”, criando a sensação de que basta adquirir o mesmo produto para alcançar os mesmos resultados. “É normal generalizar coisas a partir de pequenas informações, no caso nós precisamos aprender a colocar este pensamento em perspectiva, precisamos aprender a analisar o que não vimos, a refletir que a vida da pessoa é composta por muitos fatores e que fulano escolheu compartilhar apenas um fragmento da vida”, explica a psicóloga.
Entre os consumidores ouvidos, os relatos afirmam que existe uma espera pela Black Friday para fazer compras, mas a experiência com os produtos em promoção tende a variar. A administradora Steffany Noviaky, de 24 anos, conta que comprou uma máquina de pão na Black Friday passada, mas o equipamento não atendeu às expectativas. Ela afirma que eventualmente costuma comprar por impulso e só percebe ao revisar a fatura do cartão. Para ela, a facilidade de encontrar promoções de eletrônicos e eletrodomésticos nessa época a motiva a continuar comprando. “Eu só vejo lá que tá na promoção e compro. Tipo se falta lá em casa, se não tem esse aqui, aí eu vou lá e compro”, afirma Steffany.
Já o advogado Nícolas Alvarenga, de 25 anos, nunca se arrependeu de compras feitas na data. Ele afirma que sempre pesquisa preços com antecedência e depois compara a oscilação das semanas anteriores e posteriores. Mesmo assim, reconhece que já quase comprou itens por impulso, como um fone de ouvido de alto preço, e que o comportamento impulsivo aparece também fora da Black Friday. “A questão de o que eu costumo comprar varia da minha necessidade e da minha vontade, se eu preciso ou não. Porém, acaba sendo voltado mais para questões de meios eletrônicos, videogame, console, questões de jogos, controle, fone”, conclui Nícolas.
Como driblar o consumo impulsivo e evitar frustrações
Os especialistas recomendam algumas estratégias para minimizar frustrações após o período de ofertas. No campo financeiro, a orientação é estabelecer limites de gastos, listar itens realmente necessários, comparar preços com antecedência e avaliar se o produto atende a uma demanda real antes de concluir a compra. Para João Victor Faedo, compreender o próprio comportamento ajuda a evitar excessos. “Todos estão propensos a serem influenciados. Porque todo ser humano é constituído de emoções. Entender como cada um reage, como o mercado trabalha para nos influenciar e como posso me proteger, com certeza contribui para um maior autocontrole e evita grandes problemas financeiros”, afirma.
No aspecto emocional, Danielly explica que práticas de autoconhecimento e reflexão auxiliam a reduzir impulsos na hora de consumir, especialmente em períodos marcados por campanhas agressivas. A psicóloga destaca que identificar os sentimentos envolvidos, buscar apoio social e trabalhar a regulação emocional são passos importantes para frear decisões precipitadas. “Para lidar com este período de avalanche de propagandas podemos usar algumas estratégias, como resolução de problemas, reestruturação cognitiva, busca de apoio social e expressão saudável das emoções”, orienta.
A psicóloga reforça que comportamentos impulsivos esporádicos são comuns, principalmente em períodos marcados por excesso de estímulos e ofertas. O alerta, segundo ela, deve recair sobre a frequência e sobre o papel emocional que a compra passa a assumir no cotidiano. Quando o consumo começa a funcionar como uma resposta automática para aliviar desconfortos, o ciclo tende a se intensificar e a ficar mais difícil de controlar, gerando prejuízos que podem se estender à vida financeira e às relações familiares.
Danielly lembra que, embora comprar algo por impulso de vez em quando seja normal, é essencial observar quando o ato se transforma em uma forma de lidar com sentimentos incômodos. Para evitar a chamada “ressaca do consumo”, ela orienta que o consumidor volte a atenção para o que está sentindo antes de decidir comprar e reflita se o desejo por um produto atende a uma necessidade real ou a uma necessidade criada pelo momento.

















