Quem me acompanhou aqui na última semana, viu que Lisboa virou o “epicentro” da conversa sobre futuro: nas últimas edições do Web Summit, mais de 70 mil pessoas, entre CEOs, investidores e startups, lotaram os pavilhões com um tema dominante: inteligência artificial. Em 2024, foram mais de 71.500 participantes e mais de 3.000 empresas expondo, com a IA como indústria mais representada.
Em praticamente todos os palcos, a mesma mensagem aparecia sob ângulos diferentes: IA deixou de ser buzzword e virou infraestrutura de produtividade a experiência do cliente, passando por marketing, saúde e finanças. Ao mesmo tempo, muita gente séria lembrou que ela não substitui aquilo que ainda é o coração do jogo: criatividade, confiança e relações humanas. Executivos de empresas como Bluesky e Hootsuite e outras reforçaram justamente isso em Lisboa em 2025: IA amplia capacidades, mas não cria propósito nem autenticidade sozinha.
É nesse contexto que a grande pergunta aparece: o que muda e o que continua igual na liderança em tempos de IA?
A primeira verdade desconfortável: se você lidera pessoas, a IA não vai “roubar o seu lugar” mas pode expor, de forma implacável, a sua falta de liderança.
Ferramentas generativas vão escrever textos, resumir relatórios, sugerir decisões, prever demanda, montar apresentações, automatizar tarefas. Isso significa que o líder que se limitava a coordenar tarefas e cobrar entrega está com os dias contados. A rotina operacional é justamente a parte mais fácil de ser codificada.
O que continua essencial e talvez ainda mais valioso é aquilo que nenhuma máquina entrega: visão, julgamento ético, capacidade de construir confiança, dar direção em meio à ambiguidade, cuidar da cultura, desenvolver pessoas. Nos painéis de ética em IA do Web Summit, especialistas insistiram em um ponto: sem liderança humana responsável, a tecnologia amplifica vieses, riscos e desigualdades.
A IA não substitui o líder; ela testa o caráter e a competência dele.
Ao mesmo tempo, seria ingenuidade fingir que no fundo nada muda. Muda, e muito. A IA reorganiza tempo, poder e expectativa.
• Tempo: tarefas que levavam horas passam a levar minutos. Isso expõe gestores que não sabem o que fazer com o tempo “liberado”, e também equipes que estavam acostumadas a se esconder atrás de burocracia.
• Poder: informação e análise deixam de ser privilégios de poucos. Qualquer pessoa com acesso a boas ferramentas consegue explorar cenários, simular resultados, testar hipóteses.
• Expectativa: conselhos, investidores e clientes passam a esperar decisões mais rápidas, personalização em escala e respostas melhores baseadas em dados, não em “achismo”
Nesse cenário, surgem três grandes movimentos de mudança na liderança.
Primeiro, o líder deixa de ser o “dono das respostas” para virar curador de perguntas e critérios. A IA gera opções, rascunhos, análises; cabe ao líder definir o que é relevante, qual métrica importa, que trade-offs são aceitáveis. No Web Summit, vários painéis destacaram a ideia de “AI como ferramenta” (Tool AI): aplicações poderosas, mas focadas, que exigem contexto e decisão humana para gerar impacto real.
Segundo, o líder precisa se tornar fluente em risco de tecnologia, não apenas em risco financeiro. Bancos centrais e instituições como o FMI já alertam para um possível “excesso de euforia” em ativos ligados à IA, com valuations esticados e risco de correção brusca. Isso vale tanto para quem investe quanto para quem constrói negócios totalmente dependentes do hype. Entender o básico de modelo de negócio, custo de infraestrutura, dependência de fornecedores de nuvem, privacidade de dados e regulação deixou de ser opcional para quem lidera.
Terceiro, a liderança é chamada a combinar escala digital com vínculo humano. Se a IA viabiliza hiperpersonalização em marketing e produto, ela também aumenta a expectativa do cliente por um atendimento que seja, ao mesmo tempo, eficiente e genuinamente humano. As discussões sobre autenticidade e construção de comunidade no Web Summit foram todas nessa direção: com tanto conteúdo e automação, o que se destaca é o que parece verdadeiramente humano.













