O acesso à internet na primeira infância mais do que dobrou no Brasil em menos de uma década, passando de 11% em 2015 para 23% em 2024. O dado faz parte do estudo Proteção à primeira infância entre telas e mídias digitais, publicado pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) e divulgado nesta terça-feira (17).
O levantamento mostra que a exposição às telas começa cada vez mais cedo: quase metade (44%) dos bebês de até 2 anos já tem acesso à internet, percentual que sobe para 71% entre crianças de 3 a 5 anos.
A publicação reforça que a Sociedade Brasileira de Pediatria não recomenda o uso de telas para crianças menores de 2 anos. Para a faixa etária entre 2 e 5 anos, a orientação é limitar o tempo a, no máximo, uma hora por dia, sempre com supervisão de um adulto responsável.
Desigualdade social amplia exposição
O estudo aponta que a desigualdade social tem impacto direto sobre o tempo de exposição às telas. Segundo a pesquisa, 69% das crianças de famílias de baixa renda são expostas a um tempo excessivo diante de dispositivos digitais.
Quanto menor a renda familiar, maiores as chances de as telas substituírem o convívio, o brincar e a interação presencial, fatores considerados essenciais para o desenvolvimento infantil.
Uma das coordenadoras da publicação, a professora associada sênior da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Maria Beatriz Linhares, afirma que “o tempo excessivo de tela na primeira infância, especialmente entre crianças de famílias de baixa renda, revela um contexto de sobrecarga e falta de apoio às famílias”.
“A ciência é clara: sem interação humana, sem brincar e sem presença, as crianças perdem oportunidades essenciais para desenvolver linguagem, vínculos afetivos, regulação emocional e habilidades sociais”, complementa.
Os resultados dialogam com a pesquisa Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. O estudo ouviu 822 cuidadores de crianças de 0 a 6 anos e revelou que 78% das crianças de 0 a 3 anos estão expostas às telas diariamente, apesar de os responsáveis reconhecerem a importância de impor limites.
Impactos no desenvolvimento cerebral
De acordo com o material divulgado pelo NCPI, o uso intenso de mídias digitais está associado a alterações na anatomia do cérebro, com possíveis prejuízos ao processamento visual e a funções cognitivas como atenção voluntária, reconhecimento de letras e cognição social.
A professora Maria Thereza Souza, do departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade da Universidade de São Paulo (USP), explica que a qualidade do conteúdo e o uso passivo e excessivo das telas afetam áreas cerebrais relacionadas à linguagem, à regulação das emoções e ao controle de impulsos.
“A exposição a conteúdos inapropriados, assim como o uso passivo de telas sem linguagem adequada, podem acarretar prejuízos ao desenvolvimento. Até mesmo desenhos animados podem estar associados a problemas de atenção em crianças entre 3 e 6 anos”, afirma.
O estudo também alerta para os riscos da exposição a conteúdos violentos. Esse tipo de material pode reduzir a atividade de estruturas cerebrais responsáveis pela regulação do comportamento hostil e aumentar a ativação de áreas ligadas à execução de planos agressivos.
Videogames violentos e conteúdos semelhantes estão associados a maior risco de comportamentos hostis, dessensibilização à violência, ansiedade, depressão, pesadelos e maior aceitação da violência como forma de resolução de conflitos.
Foto de capa: Joédson Alves/Agência Brasil
Com informações: Agência Brasil

















