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Coração disparado, quase como se fosse pular para fora do peito. A respiração fica acelerada, e há uma sensação de frio na barriga, com arrepios que percorrem rapidamente o corpo. Essa sequência de reações é o instinto humano de luta ou fuga, um mecanismo evolutivo que preparava o ser humano para enfrentar ou escapar de ameaças reais.

Mas, em pleno século 21, esse mesmo sistema biológico é ativado em situações onde o perigo é apenas simbólico, como diante de um filme de terror, uma casa assombrada ou uma festa de Halloween. É o que o psicólogo Leonardo Rodrigues chama de “medo seguro”. “O cérebro reage como se houvesse uma ameaça real, ativando o sistema nervoso simpático e liberando adrenalina, dopamina e endorfinas. Essa combinação de alerta e excitação pode gerar uma sensação de euforia, especialmente quando sabemos, racionalmente, que estamos seguros”, explica.

Segundo ele, nesse tipo de medo, o corpo acredita que precisa lutar ou fugir, mas o contexto é controlado. Uma sala de cinema, uma festa ou um parque temático sinaliza que não há risco verdadeiro. A amígdala, responsável por detectar ameaças, continua ativa, mas o córtex pré-frontal, região que regula as emoções, interfere e relembra o corpo que tudo não passa de uma encenação. Essa tensão entre ameaça e segurança é o que torna o medo prazeroso.

Leonardo ainda diferencia os dois tipos de medo que as pessoas são capazes de experienciar. O “medo real” desorganiza; ele serve à sobrevivência. Já o “medo simulado” é uma forma de catarse emocional. “Ele nos permite sentir a intensidade da emoção sem sofrer as consequências reais. Essa descarga pode regular o humor, trazer sensação de alívio e até aumentar a tolerância ao estresse”, explica o psicólogo.

Por isso, há quem busque ativamente esse tipo de sensação. Filmes de terror, histórias assustadoras e festividades como o Halloween são, em última instância, rituais modernos para lidar com o medo e torná-lo algo prazeroso. Eles transformam a ameaça em jogo, o pavor em entretenimento e a morte em espetáculo simbólico.

Essa busca por enfrentar o desconhecido não é nova. O próprio Halloween nasceu de tradições celtas de mais de dois mil anos, que marcavam o fim da colheita e o início do inverno, uma época em que se acreditava que o véu entre o mundo dos vivos e dos mortos se tornava mais fino. De lá para cá, o medo foi sendo ritualizado em diferentes culturas como uma forma de compreender e dominar aquilo que não se pode controlar.

No Brasil, esse papel simbólico do medo também sempre existiu e está no centro do folclore brasileiro, que mistura crenças indígenas, africanas e europeias (reflexo do profundo processo de miscigenação). O psicólogo Leonardo observa que o país tem um repertório próprio de figuras assustadoras, como o Saci, o Curupira, a Cuca, o Boitatá e o Corpo-Seco, personagens que falam sobre natureza, culpa, vingança e desejo.

Leonardo ainda argumenta que importar o Halloween sem reinterpretá-lo à luz da nossa cultura é um empobrecimento simbólico. “Temos nossos próprios mitos e lendas, profundamente ligados à nossa história e ao nosso imaginário. Reapropriar o medo, dentro das nossas narrativas, seria uma forma de autoconhecimento coletivo”, propõe.

Mais do que celebrar fantasias importadas, ele defende que o Brasil poderia dar ao Halloween uma identidade própria, um espaço para reinventar seus mitos, contar histórias de assombração locais e transformar o medo em um espelho daquilo que somos. E provocar esses sentimentos “medo seguro” com uma bagagem da própria cultura brasileira.

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