Empresas têm até maio de 2026 para se adequar à nova norma que reconhece estresse, assédio e ansiedade como riscos ocupacionais
A saúde mental no trabalho ganhou novo status com a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego. Pela primeira vez, os riscos psicossociais, como estresse, assédio moral e sobrecarga emocional, passam a figurar oficialmente ao lado dos riscos físicos, químicos e biológicos nos planos obrigatórios de gerenciamento de riscos das empresas.
Dados do Ministério da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho, revelados pelo G1 em março deste ano, mostram que, em 2024, foram registrados 472.328 afastamentos por saúde mental — o maior número dos últimos dez anos.
Entre os principais motivos estão: ansiedade (141.414), depressão (113.604), depressão recorrente (52.627), transtorno bipolar (51.314), vício em drogas (21.498), reações ao estresse grave e transtornos de adaptação (20.873), esquizofrenia (14.778), alcoolismo (11.470) e vício em cocaína (6.873).
A medida, que teria início em 26 de maio de 2025, foi prorrogada para maio de 2026, mas já impõe um novo dever aos empregadores: considerar a saúde mental tão essencial quanto a integridade física dos trabalhadores.
Segundo a procuradora-chefe e coordenadora de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), Cândice Gabriela Arosio, a mudança representa um avanço na proteção à saúde do trabalhador. “Pela primeira vez há uma previsão clara de que os riscos psicossociais devem ser identificados e considerados no Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas”, explica.
A obrigatoriedade se aplica a todos os empregadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com algumas exceções. Mesmo com o novo prazo, o MPT recomenda que as empresas utilizem o período para se adequar. Caso uma fiscalização identifique que nenhuma medida foi adotada, o auditor fiscal poderá acionar o Ministério Público do Trabalho. A empresa poderá ser alvo de recomendação formal e, se permanecer inerte, estará sujeita a multa administrativa, assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou até ação civil pública.
A especialista em soluções de RH da Totvs, Márcia Delgado, explica que a NR-1 existe há anos, mas agora foi complementada com a ergometria voltada para a saúde mental. “As empresas precisam buscar junto ao profissional de medicina e segurança do trabalho, identificar os riscos que podem ser causados em relação à essa saúde”.
Delgado pontua algumas maneiras de avaliar os riscos psicossociais. “A avaliação depende de ferramentas de RH, como pesquisa de clima, acompanhamento, avaliação de desempenho, reuniões ‘one a one’, um gestor mais próximo para identificar algo que possa vir a melhorar a qualidade de vida desse colaborador”, explicou.
Da reação à prevenção
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam o papel da liderança na construção de um ambiente saudável. Sabrina Baes, especialista em gestão de pessoas e liderança, afirma que lideranças reativas tendem a agir apenas após episódios de esgotamento ou adoecimento. Já a liderança preventiva atua na causa do problema.
“A liderança preventiva é proativa e antecipa os riscos, implementando medidas para prevenir acidentes e doenças ocupacionais.”
A especialista pontua:
- Criar uma cultura de feedback, onde os funcionários se sintam confortáveis em reportar incidentes e sugerir melhorias;
- Mapear e implementar processos de trabalho, procedimentos e protocolos de segurança comunicados de forma clara a todos dentro da empresa;
- Treinar e capacitar os colaboradores quanto a primeiros socorros psicológicos, como eles podem reagir diante de uma situação de urgência;
- E, além dessas implementações, focar no comportamento dos líderes na construção da confiança e segurança.
Para Dani Plesnik, executiva na área de recursos humanos com mais de 20 anos de experiência, o líder tem impacto direto na segurança psicológica dos seus liderados.
“Amy Edmondson diz que ‘segurança psicológica é a crença compartilhada pelos membros de um time de que o time é, em si, um ambiente seguro para se tomar riscos interpessoais’. A construção desse espaço é fundamental para obter uma melhor performance do time, e a ciência comprova o impacto direto no aumento da criatividade e inovação”, afirmou.
Plesnik ainda destaca que, antes de as empresas falarem sobre segurança psicológica, é necessário fazer o básico bem feito. “É fundamental falar daqueles aspectos básicos que discutimos na pirâmide de Maslow: salário justo, estrutura física para fazer um bom trabalho, previsibilidade das minhas atividades, pagamento em dia, na data correta, conforme acordado.” Ela pontua que questões como essas muitas vezes são negligenciadas e impactam a saúde mental dos liderados.
Sabrina Baes afirma que a empresa precisa trabalhar a gestão de valores e propósito. “Os valores se traduzem em comportamentos, e o comportamento da liderança segura gera a confiança necessária para o ambiente seguro, que proporciona a segurança e o bem-estar e, consequentemente, a produtividade.”
Como ter equilíbrio entre a vida profissional e pessoal
A psicóloga clínica Valéria dos Santos Batista explica que é possível identificar sinais de que o trabalho está afetando negativamente o bem-estar emocional. “Podem incluir episódios frequentes de irritabilidade, mudanças de humor, cansaço excessivo, choro frequente, dificuldades de concentração, isolamento social e precisam ser levados a sério”, afirmou.
Ela destaca algumas ações que podem ser adotadas para buscar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal:
- Estabeleça limites: defina horários de trabalho e lazer;
- Evite levar trabalho para casa;
- Desligue-se das obrigações profissionais durante o tempo livre;
- Defina prioridades;
- Delegue tarefas;
- Utilize ferramentas de gestão do tempo e técnicas que ajudem a otimizar a rotina;
- Cuide da saúde: pratique atividade física e mantenha uma alimentação saudável;
- Cultive uma rede de apoio com amigos e parentes, compartilhando dificuldades e sentimentos;
- Busque ajuda de um psicólogo, terapeuta ou outro profissional de saúde.
As empresas podem contribuir para a saúde mental dos seus colaboradores por meio de diversas iniciativas. “Implementação de programas de apoio psicológico, de mindfulness e meditação, incentivo ao autocuidado, políticas de trabalho flexíveis, agradecimento e reconhecimento, feedback positivo, além de parcerias com profissionais de saúde mental”, finaliza a psicóloga.
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