Ao recorrer ao clássico Frankenstein, de Mary Shelley, convido você a um olhar mais atento sobre a educação que se inicia dentro de casa. Escolhi para essa reflexão uma versão mais recente do filme, por priorizar mais a humanidade da criatura e a tragédia do abandono, sendo assim, mais fiel ao espírito do livro. A metáfora pode parecer incômoda/desconfortável, porém necessária para uma avaliação sobre como estamos educando nossas crianças e adolescentes.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu destaca que a família é a responsável pela socialização primária de seus filhos e que “[…] sobre o habitus primário enxertam-se, ao longo do vivido do agente, habitus secundários entre os quais é preciso sublinhar a importância particular do habitus escolar que vêm, em regra geral, continuar e redobrar o habitus familiar.” (BOURDIEU, 2005, p. 79).
A metáfora utilizada aqui pode ser desconfortante, porém muito atual. Nenhuma criança vem ao mundo sem valores e princípios, nenhuma criança vem ao mundo sendo difícil de lidar em termos de comportamento. Mesmo que assim o for, existem muitos meios hoje na sociedade que podem auxiliar nesse processo. A questão é que a criança vai sendo formada – ou deformada – pelas vivências, vínculos ou referências estabelecidas em sua trajetória, sobretudo no meio da família, seu primeiro grupo social.
Infelizmente muitos casais pela pressão da família, dos grupos sociais aos quais pertencem, pela necessidade de afirmação ou até mesmo pela “romantização” de serem pais, optam por terem filhos sem avaliar as reais condições econômicas, sociais e emocionais do momento. Não conseguem fazer uma leitura sobre todas as responsabilidades do que vem a ser construir uma família e muito menos, sobre como educar os filhos.
Por estas e tantas outras razões, assim como Victor Frankenstein passam a se eximir das responsabilidades sobre suas criações, no caso os filhos. Encontram na terceirização da educação dos filhos, a solução. Transferem sua responsabilidade como pais, à escola, aos avós, aos professores particulares, às novas tecnologias (redes sociais, influencers), à sociedade, etc.
Esquecem que educar requer presença, afeto, estabelecimento de limites, disciplina, intencionalidade, estratégias, etc. Educar é um processo contínuo e, portanto, dá trabalho, pois relacionamento, confiança se constrói ao longo da trajetória. Porém, na ausência de todos esses elementos, corre-se o risco de se estar criando verdadeiros “monstros sociais”.
Vivemos um tempo em que a TV e as redes sociais têm exposto diariamente situações envolvendo cidadãos de todas as classes sociais cometendo barbáries, na grande maioria das vezes, por não conseguirem digerir um NÃO de alguém próximo, seja esposa(o), companheira(o), pais, avós, etc. É fundamental ter a clareza de que a frustração e o não são pedagógicos.
Ao fazermos um paralelo com Frankenstein torna-se perturbador pensar que a maior tragédia da obra não é a existência da criatura, mas sim, o abandono de seu criador negando-se a assumir seu compromisso ético e moral com aquilo que colocou no mundo. Isso é aplicável à família quando esta se exime de suas responsabilidades como pais e responsáveis pela educação de suas crianças e adolescentes. A família pode até supri-los materialmente, porém a ausência de escuta, ausência de diálogo, de orientações firmes aos poucos vão produzindo fragilidades, inseguranças que refletirão em suas trajetórias estudantis, pessoais e profissionais.
A família é o primeiro grupo de socialização e aprendizagem. É neste grupo que aprendemos e compreendemos o que vem a ser princípios, valores, empatia, limites, responsabilidade e respeito. Quando esse espaço familiar negligencia o seu papel, não só ele, mas toda a sociedade sentirá o peso de suas consequências. É o que basicamente estamos vivendo hoje em nossa sociedade.
Outro aspecto importante: quando a família é omissa e contraditória na educação dos filhos, a escola passa a lidar não só com os desafios pedagógicos, mas também, com profundas lacunas na formação do ser humano. Não há currículo, por mais bem elaborado que seja que consiga suprir todas as lacunas deixadas pela educação familiar negligente. A aprendizagem está intimamente ligada às questões emocionais e sociais. Assim como no filme, toda criatura busca reconhecimento, afeto e pertencimento – e reage com dor quando não é ouvido, não é amado e é rejeitado.
Portanto, refletir sobre esse paralelo não tem nada a ver com culpa, mas sim, com consciência. Quando a família compreende e assume o seu papel formador, ela não cria “monstros”, mas agentes sociais capazes de conviver, escolher, respeitar e transformar realidades.
Por fim, essa responsabilidade é urgente e intransferível e precisa voltar ao centro do debate no campo educacional.












