O debate sobre ciência, tecnologia e inovação no Brasil precisa avançar para além dos grandes centros tradicionais. Se o país deseja reduzir desigualdades regionais, ampliar sua competitividade e transformar conhecimento em desenvolvimento, é indispensável fortalecer estados que, historicamente, estiveram à margem da concentração de doutores, infraestrutura científica e investimentos estruturantes.
Mato Grosso do Sul é um exemplo claro de como políticas públicas consistentes, articulação institucional e investimento contínuo podem mudar esse cenário e, ao mesmo tempo, evidenciam por que ainda é necessário avançar muito mais.
No ano 2000, o estado contava com apenas 136 doutores. Hoje, são mais de 4 mil pesquisadores com doutorado atuando em universidades, institutos de pesquisa, centros tecnológicos e no setor produtivo. Trata-se de um crescimento expressivo, que reflete a expansão da pós-graduação, a interiorização das universidades e o fortalecimento do sistema estadual de ciência e inovação.
Ainda assim, esse avanço não deve ser visto como ponto de chegada. Pelo contrário: ele revela o potencial de crescimento ainda existente e a necessidade de ampliar, qualificar e fixar esse contingente de talentos para que Mato Grosso do Sul alcance um novo patamar de desenvolvimento científico, tecnológico e econômico.
Um desafio nacional que se expressa nos estados
O desafio da fixação de doutores não é exclusivo de Mato Grosso do Sul, trata-se de uma questão estrutural do Brasil. Dados apresentados pela CAPES indicam que o país conta com apenas 10 doutores para cada 100 mil habitantes, número três vezes inferior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 30 doutores por 100 mil habitantes.
A disparidade é ainda mais expressiva quando se observa o número de mestres: enquanto o Brasil possui 29 mestres por 100 mil habitantes, a média da OCDE alcança 300 mestres por 100 mil habitantes.
Esse cenário reforça a urgência de políticas públicas capazes de ampliar a formação, a atração e, sobretudo, a fixação de pesquisadores altamente qualificados, especialmente em estados que ainda têm grande espaço para crescimento.
Fixação de talentos como política estruturante
Programas nacionais como o Profix Conhecimento Brasil, iniciativa do CNPq em parceria com a CAPES e o Conselho Naciona das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, representam uma oportunidade estratégica para estados como Mato Grosso do Sul. Ao oferecer bolsas robustas, de longo prazo, e permitir execução descentralizada, o programa reconhece que o desenvolvimento científico precisa estar conectado às realidades regionais.
A fixação de doutores fora do eixo tradicional Sudeste-Sul não é apenas uma política de equidade territorial. É uma estratégia inteligente de desenvolvimento. Mato Grosso do Sul reúne vantagens comparativas relevantes: biodiversidade, agronegócio avançado, fronteira internacional, bioeconomia, transição energética, sustentabilidade, saúde pública e desafios ambientais complexos que demandam conhecimento científico aplicado.
Sem doutores fixados no território, essas agendas permanecem dependentes de soluções externas. Com pesquisadores qualificados atuando localmente, o conhecimento passa a ser produzido onde os problemas existem e as soluções ganham escala, eficiência e impacto.
O papel estratégico das Fundações de Amparo à Pesquisa
Nesse contexto, as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) exercem um papel absolutamente estratégico. São elas que conhecem as vocações, fragilidades e oportunidades de cada estado. São elas que conseguem alinhar políticas nacionais às prioridades locais, selecionar pesquisadores de acordo com áreas estratégicas e articular contrapartidas que ampliam o alcance dos programas federais.
No caso do Profix Conhecimento Brasil, as FAPs poderão:
- Ampliar o número de bolsas por meio de contrapartidas estaduais;
- Conceder auxílios à pesquisa que fortalecem a infraestrutura científica;
- Direcionar a seleção de bolsistas para áreas estratégicas definidas pelos estados.
Esse modelo é particularmente relevante para Mato Grosso do Sul, onde a ampliação do número de doutores precisa caminhar junto com a consolidação de ecossistemas regionais de inovação, conectando universidades, setor produtivo, governo e sociedade.
O próximo ciclo do desenvolvimento científico
O crescimento de 136 para mais de 4 mil doutores em pouco mais de duas décadas demonstra que Mato Grosso do Sul possui capacidade institucional, capital humano e ambiente favorável à ciência. O desafio agora é acelerar esse processo, garantindo condições para que mais doutores escolham o estado como local para viver, pesquisar, inovar e formar novas gerações.
Ampliar esse número não é apenas uma meta quantitativa. Significa:
- Mais pesquisa aplicada aos desafios regionais;
- Mais inovação no setor produtivo;
- Mais competitividade econômica;
- Mais soberania científica;
- Mais desenvolvimento social e ambientalmente sustentável.
Fixar doutores é fixar futuro. E o futuro da ciência brasileira passa, necessariamente, por estados como Mato Grosso do Sul, que já demonstraram capacidade de avançar, mas que ainda têm um papel decisivo a cumprir no esforço nacional de reduzir desigualdades e fortalecer o país pelo conhecimento.













