Provavelmente você conhece alguma clínica que, nos últimos dois anos, recebeu uma visitinha (desagradável) da prefeitura para tratar um assunto delicado, que impacta diretamente o caixa dos profissionais da saúde: o ISS (Imposto Sobre Serviços) fixo.
Para quem está lendo este artigo e não sabe do que estamos falando, os profissionais da saúde (médicos, dentistas e outros) têm um incentivo fiscal no recolhimento de ISS, garantido pelo Decreto Lei 406/68, possibilitando que a clínica recolha um valor fixo anual por profissional, ao invés do pagamento de alíquota, que varia de 2% a 5%, sobre o faturamento.
O ISS fixo tem impacto extremamente significativo no caixa de uma clínica, haja vista que, nesta modalidade, a clínica deve pagar em torno de um salário mínimo ao ano aos cofres públicos, enquanto que na modalidade tradicional, basta um faturamento de R$30.000,00 (trinta mil reais) anual, algo como R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) ao mês, para que o ISS ultrapasse o valor do tributo de forma fixa.
É claro que, como quase tudo em nosso país, o gozo deste incentivo não depende de um simples “click” do contador no sistema de emissão de NF. As clínicas precisam ingressar com uma ação judicial para ver o direito garantido, sendo imprescindível a demonstração de alguns elementos para que tenham êxito na demanda.
Os requisitos, até então, eram objetivos: bastava que a pessoa jurídica demonstrasse a uniprofissionalidade (comprovação de que exerce uma única atividade profissional: médica; odontológica e afins). Para tanto, sempre houve a recomendação de que tivéssemos, no quadro societário, apenas profissionais com devida habilitação em seu conselho de classe da área da saúde e os CNAES, na receita federal, da área específica.
Além da uniprofissionalidade, era preciso, é claro, que q atividade desempenhada pela clínica estivesse no rol das atividades profissionais alcançadas pelo incentivo do ISS fixo, previsto no Decreto Lei 406/68.
Somados a estes dois requisitos, também era preciso que a pessoa jurídica não tivesse caráter empresarial. O que é o caráter empresarial? A legislação e o STJ defendem que todas as vezes em que o trabalho do sócio “se perder” dentro dos meios de produção organizados da pessoa jurídica, há o elemento de empresa. A grosso modo, quer dizer que todas as vezes em que a pessoalidade do sócio não for mais significativa para a operação diária da organização, ela não tem direito a este incentivo.
Tendo estes requisitos, a concessão do incentivo era quase certa; e assim aconteceu com muitas clínicas ao longo de muitos anos. Inúmeras conseguiram o gozo do incentivo através de ações judiciais.
Os Municípios, é claro, não ficaram muito felizes e satisfeitos com a baixa na arrecadação de receita advinda do recolhimento de ISS pela classe da saúde, que hoje movimenta uma fatia de mercado bastante considerável em nosso país.
Foi então que aderindo a uma corrente doutrinária de Direito Tributário, os municípios começaram, através de fiscalizações e posteriores ATOS ADMINISTRATIVOS, revogarem a COISA JULGADA concedida pela medida judicial, trazendo uma insegurança muito grande aos profissionais, uma vez que além do desenquadramento dali para frente, retroagiam os últimos 5 anos, com aplicação de multa e correção monetária.
Num primeiro momento, a conduta municipal aparentava, aos olhos dos juristas, violação gigantesca a princípios básicos do Direito Brasileiro, até que então fomos surpreendidos com uma decisão do STF em dois processos afetados com repercussão geral que relativizou a proteção da coisa julgada(RE 955.227 e RE 949.297), possibilitando que sim, os municípios possam revogar o incentivo através de ato administrativo.
Com isso, voltamos ao título deste texto: será o fim de uma era de incentivo fiscal na área da saúde?
A resposta a esta pergunta é NÃO. Acalme-se, há esperança.
Os municípios cometem arbitrariedades no momento da autuação fiscal e acabam por revogar o incentivo fiscal de ISS de pessoas que AINDA TÊM DIREITO de manter o recolhimento do imposto nesta modalidade, sendo imprescindível a realização do contencioso administrativo tributário junto à prefeitura e, se necessário, ingressar novamente na justiça para novo reconhecimento do direito e anulação de eventual cobrança dos últimos anos.
O grande trunfo dessas demandas tem sido a demonstração da presença da pessoalidade dos sócios da clínica na operação diária, o que é demonstrado através de notas fiscais com detalhamento do nome do profissional que executou o trabalho, redes sociais, relatórios financeiros e outros documentos internos que precisam ser implementados.
Havendo a demonstração de todos os requisitos ensejadores à manutenção do direito, haverá grande probabilidade do restabelecimento do ISS fixo, garantindo aquele fôlego de caixa que este incentivo sempre proporcionou às operações de saúde.
Sobre:
Telma Curiel Marcon, OAB/MS 6.355 e OAB/SP 245.567, sócia fundadora do escritório Resina & Marcon Advogados Associados, Especialista em Direito das Obrigações, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), MBA em Gestão Empresarial, pela Universidade Católica Dom Bosco, em Parceria com o Portal Educação, Campo Grande (MS). Juíza do TRE-MS de 2014 a 2018. Atuante nas áreas de: Direito Empresarial e Governança Corporativa.
Eduardo Marques S. C. Junior, OAB/MS 25.207, advogado associado do escritório Resina & Marcon. Especialista em Direito Tributário pela Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Atuação com ênfase em estruturação de negócios empresariais e planejamento sucessório patrimonial. Atual Diretor de Relações Governamentais da Confederação Nacional de Jovens Empresários – CONAJE