Especialistas avaliam medidas preventivas e alternativas à judicialização
O tarifaço de 50% sobre parte das exportações brasileiras pelo governo de Donald Trump, dos Estados Unidos, pode gerar um volume de 30 mil novos processos na Justiça do Trabalho em dois anos. A projeção é do Grupo Pact Insights, empresa especializada em ações trabalhistas.
O levantamento foi elaborado com base na taxa histórica de litigância trabalhista no Brasil, a partir de dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), da base do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho, e de um estudo da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).
As tarifas sobre os produtos brasileiros começaram a valer em 6 de agosto. Apesar de ter uma gama de quase 700 produtos poupados, muitos dos setores do agronegócio, comércio e indústria já enfrentam as novas taxas.
À CNN, o CEO da Pact Insights, Lucas Pena, explica que o pagamento de rescisão costuma ser um dos fatores mais causa dos processos, por ser um direito básico mais reconhecido pelos trabalhadores. “Toda pessoa que é desligada sem o pagamento de rescisão entra com um processo”, diz.
Nos cenários prospectados, os novos processos trabalhistas vão de cerca de 27,8 mil ações trabalhistas (conservador) e podem chegar até 30,7 mil (alta).
“A gente está falando de um comportamento que acontece, de as pessoas procurarem por sindicatos ou advogados trabalhistas para ter certeza que tudo foi cumprido. As pessoas ficam inseguras nesse processo de demissão, principalmente em casos de volumes grandes, de compreender essas contas”, descreve Pena sobre os pagamentos após demissão.
O especialista avalia que os setores atingidos pelo tarifaço devem passar por uma situação semelhante ao da pandemia de Covid-19. “Quanto maior for o impacto de tarifa pela empresa, maior o impacto para o emprego”, aponta.
Lucas Pena frisa que indústrias são os setores que têm mais sindicatos organizados e que estão há mais tempo estruturados na economia brasileira.
“Os sindicatos ligados às indústrias são muito mais atuantes. Só do empresário ignorar o sindicato no processo de demissão, isso leva, às vezes, para decisões de reintegrações coletivas, e muitas vezes o empregador tem que bancar a decisão até que se chegue a um acordo”, exemplifica.
Independente do percentual do tarifaço, Pena afirma que o empresário sabe que a relação com o mercado americano será de atrito pelo menos nos quatro anos da gestão Trump.
Assim, terá a capacidade de exportação afetada. “Isso faz com que esses setores replanejem seus crescimentos”, aconselha.
Impactos na Justiça trabalhista
Para André Blotta Laza, advogado trabalhista e sócio do Machado Associados, o impacto na Justiça do Trabalho deve ser um pouco semelhante ao período de pandemia.
Ele elenca que, além de demissões, processos relacionados a redução de salários, suspensão de benefícios e pedidos de reintegração ao emprego devem ser observados.
“A expectativa é que a gente tenha um aumento de ações. Acredito que a Justiça do Trabalho tenha aprendido um pouco com o período de Covid e a resposta seja mais efetiva ou coordenada do ponto de vista institucional, até mesmo para evitar a morosidade processual”, avalia Laza.
Por sua vez, Vólia Bomfim, advogada trabalhista e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, aponta que não há na Justiça trabalhista uma jurisprudência que defina algum tipo de tarifaço como fundamento para demissões.
“A Justiça do Trabalho normalmente é protetiva ao trabalhador. E, normalmente, tem a posição de não repassar ao trabalhador o risco que é do patrão”, elenca. “Esse risco seria do patrão mesmo no caso do tarifaço.”
Medidas preventivas – Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma medida provisória para ajudar os setores afetados pelas tarifas dos EUA.
O pacote libera uma linha de crédito de R$ 30 bilhões para empresas brasileiras.
Segundo o CEO da Pact Insights, a ação do governo em lançar o programa é válida e pode ajudar na manutenção dos empregos. No entanto, Pena entende que há um limite por parte dos empresários ao poder segurar os trabalhadores em seus postos.
O especialista aponta que os acordos são importantes para o empregador reduzir um número maior de processos que pode ser alvo. “O empresário precisará colocar na conta a litigiosidade. Uma demissão em massa, sem quitar as verbas devidas, sem a discussão com o sindicato, leva uma distribuição de ações ainda bem maior que a média. Esse é um risco que está posto.”
Na avaliação de André Laza, do Machado Associados, embora a medida do governo cite a relação do trabalho, o pacote lançado está mais ligado a questões comerciais e tributárias.
“É muito importante as empresas avaliarem as oportunidades para planos de contingências, emergenciais, e de alternativas, do ponto de vista jurídico, que empoderem elas para fazer alterações de condições do trabalho, sem eventualmente recair sobre o risco judicial”, destaca Laza.
Enquanto Vólia Bomfim, da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, diz que as medidas do governo ainda não são efetivas para evitar a projeção de demissões. “Pouco ajudou ou vai ajudar, porque as empresas vão acabar sufocando sem poder fazer exportação”, analisa.
Segundo a advogada, o caminho imediato para o empregador é procurar o sindicato e começar a estudar possibilidades em meio a esse cenário.
Informações da CNN Brasil
Foto: CNI/José Paulo Lacerda